O centenário do nascimento do papa João Paulo II, celebrado
solenemente este fim de semana na Polónia, foi ensombrado pela exibição
de um documentário sobre atos de pedofilia na Igreja católica e sob a
cobertura de um bispo local que é citado.
Pouco após a difusão do filme “Jogo de escondidas”, seguido em direto no YouTube
por cerca de 80 mil pessoas, o primado da Polónia, arcebispo Wojciech
Polak, apelou à Santa Sé para “iniciar procedimentos” sobre os casos
citados. Dez horas mais tarde, o contador indicava 1,15 milhões de
visitantes.
O documentário, o segundo do género, realizado pelo jornalista
independente Tomasz Sekielski, refere-se em detalhe à história de dois
irmãos, vítimas entre outros de abusos sexuais cometidos por um padre que beneficiava da proteção tácita mas evidente de Edward Janiak, atualmente bispo titular de Kalisz (centro).
“O filme Jogo de escondidas, que acabo de ver, demonstra que as
normas de proteção das crianças e dos adolescentes em vigor na Igreja
não foram respeitadas”, reagiu o primado da Polónia em mensagem vídeo
difundida pela agência noticiosa católica KAI.
“Na minha qualidade de delegado do episcopado para a proteção das
crianças e dos adolescentes, solicito à Santa Sé, através da sua
nunciatura, que abra um procedimento em virtude du motu proprio [uma carta apostólica] do papa Francisco sobre a omissão de uma reação legalmente obrigatória”, insistiu.
O filme, unicamente financiado por coleta pública, acusa o procurador de proteger sistematicamente
os representantes da Igreja, ao designadamente transmitir dossiers de
inquérito aos eclesiásticos interessados, durante o seu exame, de
acusações desde logo rejeitadas pela procuradoria nacional.
Em comunicado, o procurador indica ter indiciado formalmente o padre Arkadiusz Hajdasz por abusos sexuais de menores, em setembro de 2019. Mas os procuradores não citam em qualquer parte do processo o nome do bispo Janiak.
O anterior documentário de Tomasz Sekielski, intitulado “Não digas a
ninguém”, divulgado há um ano, foi visto 23,5 milhões de vezes no YouTube.
Na ocasião provocou um choque e reação ao mais alto nível da
hierarquia eclesiástica e do poder, mas de seguida o tema quase
desapareceu do espaço público.
Mas em outubro, um tribunal polaco associou a “tortura” os atos de pedofilia perpetrados na década de 1980 por um padre católico, implicando a sua prescrição, uma decisão sem precedentes na Polónia.
As indemnizações às vítimas pela Igreja católica institucional ainda são raras na Polónia.
Os dois filmes de Sekielski questionam a responsabilidade da
hierarquia católica, mas sem abordarem a ausência de reação durante o
pontificado do papa João Paulo II, que continua a ser venerado na
Polónia.
No entanto, Tomasz Sekielski já anunciou um próximo documentário
sobre “o papel de JPII na dissimulação dos crimes perpetrados por
padres”. Os autores planeiam fazer mais dois filmes, focados na figura
do papa João Paulo II, o polaco Karol Wojtyla.
Diversas manifestações, missas e concertos difundidos na internet
estão incluídos nas celebrações em memória de João Paulo II, que nasceu
em 18 de maio de 1920 em Wadowice, no sul da Polónia.
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