O projecto iria duplicar o fornecimento de gás natural à Europa, sendo
que 40% do gás usado na UE já é oriundo da Rússia. Scholz suspendeu o
Nord Stream 2 perante o reconhecimento russo da independência das
regiões separatistas e já se antecipa um aumento da inflação.
Durante
a sua visita à Casa Branca, há cerca de duas semanas, Olaf Scholz nem
sequer mencionou o gasoduto Nord Stream 2 mesmo com as questões dos
jornalistas, mas Joe Biden respondeu por ele, avisando que o projecto seria suspenso caso as tropas russas entrassem na Ucrânia.
Apesar
das críticas à postura alemã durante esta escalada de tensão, com os
aliados do Ocidente a condenar Berlim por não enviar armamento para a
Ucrânia e pelas respostas evasivas do chanceler sobre a possibilidade de
impor sanções, Scholz deixou agora a sua posição bem clara, depois de
Putin ter anunciado oficialmente que reconhece a independência das zonas separatistas de Donetsk e Luhansk. A União Europeia também já avançou com sanções como retaliação.
“A
situação agora é fundamentalmente diferente”, garantiu Scholz na
conferência de imprensa onde anunciou que o processo de certificação do
Nord Strem 2 vai ser suspenso, impedindo a entrada em funcionamento do
gasoduto.
O chanceler alemão invocou a Carta de Princípios das
Nações Unidas para justificar a decisão, referindo que o objectivo é
pressionar Moscovo para que Putin aceite resolver o conflito pela via
diplomática.
Scholz anunciou também a criação de um gabinete
que pretende diversificar as importações de gás natural para o país, mas
sublinhou que a Alemanha vai continuar sem vender armas a Kiev,
preferindo apenas manter o apoio económico.
Mas afinal, o que é o Nord Stream 2 e que impacto vai esta decisão ter para a Rússia e a para o resto da Europa?
Al Jazeera
O que é o Nord Stream 2?
A
ideia por detrás do Nord Stream 2 foi criar uma rota paralela ao Nord
Stream 1, que desde 2011 funciona no fundo do Mar Báltico. O novo
gasoduto — que se estende ao longo de 1230 quilómetros e liga Ust-Luga,
na Rússia, a Greifswald, no nordeste da Alemanha — foi concluído em
2021, mas ainda não entrou em funcionamento por ainda não ter sido
aprovado pelos reguladores alemães e europeus.
O projecto teria a
capacidade de fornecer mais 55 mil milhões de metros cúbicos de gás
natural russo por ano à Alemanha, duplicando assim o valor actual.
A
ideia não veio sem críticas, suscitando protestos por parte de grupos
ambientalistas e também condenação por parte dos Estados Unidos e da
própria Ucrânia, que não vêem com bons olhos o aumento da dependência
europeia do gás natural russo.
Para além disso, Kiev
preocupava-se com a possibilidade de Moscovo aumentar a pressão sobre a
economia ao diminuir as exportações de gás natural através dos gasodutos
que passam pela Ucrânia, como o Brotherhood, e preferir fazê-lo pelo
Nord Stream 2, que não atravessa o território ucraniano.
O gás
natural é a sua fonte energética mais usada na Europa, apenas atrás do
petróleo. No total, a Rússia fornece 40% do gás consumido no velho
continente e esta dependência tem vindo a aumentar com a maior aposta
nesta fonte energética, à medida que se reduz o uso do carvão. Nos meses
de Inverno, entre Janeiro e Março, a dependência em Moscovo aumenta
ainda mais, tendo chegado a 60% em 2019.
Por outro lado, a
Europa não é o único perdedor com a suspensão do Nord Stream 2, já que a
economia russa também se apoia bastante nas exportações de gás natural.
De acordo com os dados da Gazprom,
a maior empresa energética russa e maior exportadora de gás natural no
mundo, 78% das suas vendas tiveram como destino a Europa Ocidental e a
Turquia em 2020 e 22% foram para países da Europa Central. Os maiores
compradores foram a Alemanha, a Itália, a Áustria, a Turquia e a França.
A Rússia assinou recentemente um acordo de comércio energético
com a China através do novo gasoduto Power Siberia 2, mas este só deve
estar pronto em 2025 e não terá a mesma dimensão económica que o Nord
Stream 2, dada a aposta de Pequim na produção da sua própria energia com
a construção de centrais nucleares.
Qual o impacto da suspensão do gasoduto?
Dada
a importância mútua do comércio de gás natural entre a Europa e a
Rússia, a situação actual trata-se de um puxão de corda entre as duas
forças. É pouco provável que a suspensão do Nord Stream 2 seja
suficiente para fazer Putin ceder, visto que este gasoduto ainda nem
estava operacional e que mesmo sem ele, a dependência europeia no gás
russo é evidente.
A possibilidade de uma retaliação por parte de
Moscovo com o corte do fornecimento de gás também parece pouco
provável, pelo menos por enquanto, dado o impacto que isso também teria
na economia russa.
Horas depois do anúncio de Scholz, o Ministro
da Energia russo, Nikolai Shulginov, garantiu que a Rússia vai
continuar a exportar o gás natural “sem interrupção”. “As empresas
russas estão a honrar os seus contratos e a trabalhar para desenvolver a
produção e exportação de gás natural para países como a Turquia, França
e Alemanha”, referiu o político.
Caso Putin decidisse avançar
com um corte total todo o gás natural do resto do mundo não seria
suficiente para abastecer a Europa, sendo este um grande trunfo na manga
do líder russo. Na eventualidade de um corte parcial, a Europa pode
procurar outros fornecedores, como os Estados Unidos, que são o segundo
maior fornecedor de gás para Portugal, a seguir à Nigéria.
Para António Costa Silva, especialista em energia ouvido pelo Observador,
muitas das culpas da enorme dependência europeia da Rússia caem sobre
Berlim. “A Alemanha está a cercear todo o desenvolvimento da política
europeia de energia e todo o desenvolvimento do mercado único da energia
que era a única maneira de a Europa não ficar presa do gás russo”,
afirma, considerando mesmo que a Alemanha é o “cavalo de Tróia da
Rússia“, já que as suas decisões vão afectar países como a Itália ou a
Áustria mais do que a própria Alemanha.
“O problema crucial não
é a Alemanha, é o resto da Europa e aquilo que o presidente Putin pode
fazer se tiver numa situação extremamente difícil e se repetir as
jogadas que já fez no passado em 2006 e 2009, em que cortou o
abastecimento”, remata.
A hipótese de um corte total do abastecimento é pouco provável, mas essa não seria a única forma da Rússia fazer estragos na economia europeia. A Gazprom pode continuar a cumprir os contratos, mas reduzir o fornecimento aos valores mínimos, que são bastante baixos e já levariam a um aumento dos preços do gás.
Essa inflação já é notória, com a valorização do gás natural e o preço de um barril de petróleo a chegar quase aos 100 dólares, um valor a que não chegava desde 2014.
Dada a dependência generalizada da economia no sector energético, este aumento de preços deve criar um efeito de bola de neve e agravar ainda mais o problema da inflação que já se faz sentir desde o início do ano e que levou o Banco Central Europeu a anunciar um aumento das taxas de juro.
Costa e Silva acredita que a Península Ibérica não vai ser o território mais afectado, mas que o impacto noutros países europeus pode ser “brutal”. A UE está a lidar com “um mestre da geopolítica” e Putin não vai hesitar em usar a energia como arma neste conflito, acredita o perito, que defende que a Europa perdeu demasiado tempo ao não apostar em diversificar as suas fontes energéticas e na criação de um mercado único, tornando assim os russos “os reis da energia”.
https://zap.aeiou.pt/alemanha-suspendeu-nord-stream-2-464021
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