Os assassínios seletivos de jornalistas, políticos e defensores dos direitos humanos são cada vez mais frequentes no país, com Cabul e várias províncias a registarem um aumento da violência nos últimos meses. O medo está cada vez mais presente entre a população.
“Quando entro no carro sinto medo, quando estou a andar na rua sinto medo e quando estou a trabalhar sinto medo”, disse Shamsullah Amini, um comerciante de apenas 22 anos, acrescentando que se houvesse alguma segurança “não estaríamos a pensar em deixar o país”.
O medo faz parte da vida em Cabul há muito tempo. A população vive na eminência de uma possível morte súbita durante um ataque dos talibãs.
Na semana passada, um grupo de homens armados matou duas juízas num bairro central de Cabul. Ambas as mulheres trabalhavam para a Suprema Corte do Afeganistão e dirigiam-se para o local de trabalho, quando atacaram o veículo em que seguiam.
As autoridades afegãs e Washington atribuíram estes ataques aos talibãs, apesar de o grupo extremista Estado Islâmico ter reivindicado alguns atentados.
Porém, este caso não é isolado.
Só nas primeiras duas semanas de janeiro, bombas explodiram em vários bairros de Cabul, um carro-bomba matou um porta-voz do governo, e um polícia, um militar, um soldado e um membro da agência de inteligência do Afeganistão foram todos mortos a tiro, de acordo com o New York Times.
Os constantes assassinatos são considerados uma tentativa dos talibãs pressionarem o governo afegão durante as negociações de paz, embora o grupo venha a negar a responsabilidade pelos últimos ataques.
Segundo o NYT, estas ações são também uma forma de silenciar vozes algumas críticas, agora e no futuro. Em 2020, mais de 300 pessoas foram mortas em ataques, número no qual se incluem pelo menos seis jornalistas.
“É muito sombrio”, lamenta Farahnaz Forotan, uma jornalista que fugiu para Paris em novembro, depois do seu nome aparecer divulgado numa lista de alvos a abater.
A última onda de violência traz memórias do conflito de 1990 que destruiu a capital. Para alguns locais, a guerra interna já começou, pois os bombardeios e tiroteios são quase diários.
“Não há nenhum sítio seguro”, afirma Mia Rezaee, que dirige um café no movimentado bairro de Karte Seh. “As pessoas são mortas na mesquita, são mortas na rua e são mortas no trabalho”.
Saib Nissar, tem apenas 25 anos, e teme pela sua segurança. “Ninguém quer morrer jovem, mas aqui no Afeganistão, ninguém consegue pensar em mais nada além da insegurança”, assume.
Para estas pessoas as rotinas mais básicas da vida diária tornaram-se num tormento.
“Todas as manhãs, a caminho do trabalho, fico à espera que haja uma explosão”, refere Zahra Fayazi, que trabalha na empresa estatal de eletricidade. “Se não acontecer nesta praça, vai acontecer na próxima”, diz, acrescentando que todos os dias quando chega ao local de trabalho o tema de conversa é sempre o mesmo: as últimas explosões.
Por outro lado, os afegãos continuam a não ter grande escolha que não a de fazer viagens muito perigosas para receberem assistência médica. Estes desafios persistem em plena segunda vaga de covid-19 e no contexto das consequências, que se irão sentir muito em breve, da redução no financiamento dos doadores internacionais a um país com crescentes necessidades humanitárias.
Atualmente, há pouca confiança por parte da população de que o governo possa resistir aos talibãs, seja no campo de batalha ou na mesa de negociações. Muitos afegãos não escondem o seu desprezo pelo governo, considerando-o um “fantoche” dos americanos.
Contudo, há uma grande inquietação sobre o que irá acontecer quando as últimas tropas americanas se retirarem, o que está programado para maio.
O conflito no Afeganistão prolonga-se desde 2001 sendo que nesta altura os Estados Unidos se encontram a retirar as forças norte-americanas do terreno, no quadro das negociações de Doha, e por decisão da administração do ex-presidente Donald Trump.
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