quarta-feira, 8 de julho de 2015

Faixa de Gaza à espera de mais uma guerra

Um ano depois do último conflito, o exército israelense vigia as milícias do Hamas
Entre a algazarra das buzinas dos carros sempre prestes a colidir na cidade de Gaza e o silêncio da paisagem de terremoto nos bairros arrasados pelos bombardeios só há um passeio de táxi. Um ano depois do início da Operação Margem Protetora, a terceira ofensiva geral do exército israelense contra a faixa de Gaza em cinco anos, a vida cotidiana parece tentar abrir caminho nas ruas, lojas e praias, apesar dos mais de 2.200 mortos e da destruição de cerca de 18 mil moradias após 50 dias de guerra. Cercados por terra e mar por Israel e bloqueados pelo Egito ao sul, o 1,8 milhão de habitantes do enclave costeiro palestino dificilmente podem afastar a sensação de se encontrar em um presídio a céu aberto, de 360 quilômetros quadrados, há mais de oito anos.
Naji Sharan explica com precisão de engenheiro formado nos EUA a magnitude do desastre: "Os refúgios da ONU fecharam por falta de verbas, e continuamos tendo 144 mil desalojados sem lar. A comunidade internacional prometeu US$ 1,3 bilhão, mas foram construídas apenas algumas centenas de moradias". Sharan, vice-ministro da Economia palestino encarregado da reconstrução de Gaza, admite que um ano depois só 5% do necessário entraram na faixa.
Sharan balança a cabeça e ajusta os óculos, enquanto constata que Gaza perdeu 50% do PIB que tinha em 2007, antes que se estreitasse o cerco do bloqueio, e que o Banco Mundial atribui ao território uma taxa de desemprego de 43%, a mais alta do mundo.
Uma família se dedica a recuperar restos metálicos entre os escombros de Beit Hanun, um bairro praticamente arrasado pela aviação e os carros de combate no nordeste da faixa, do qual se avistam as torres de vigilância do exército israelense. Seus filhos brincam entre placas de concreto no chão cobertas por lonas. "Era nossa casa; o terceiro andar", explica um dos homens que recolhe ferros retorcidos. "Os outros ficaram embaixo da terra com as bombas." Do outro lado dessa terra de ninguém, dessa "margem protetora" que agora se estende entre os limites das construções de Gaza e os kibutz (fazendas coletivas) do Estado judaico, o exército israelense patrulha diante da suspeita de que o Hamas, o movimento islamista hegemônico na faixa, continue construindo túneis para lançar um contra-ataque.
"Por ali passa uma patrulha do Hamas", explica dias depois com o fuzil de assalto em bandoleira o comandante Nir Peled, 29, veterano das três ofensivas israelenses contra Gaza. Desde os 18 anos ele só conheceu o ofício das armas, agora como chefe de operações da divisão sul. "Em Gaza entrou material de construção, mas quase não houve edificação. Foi desviado para a escavação de túneis. Eles estão se preparando para a guerra, e nós também", alega o oficial.
A tenente Eden Ben Ami também está prestes a concluir o serviço militar, com 21 anos. Sua unidade de inteligência é encarregada de dar o alerta aos kibutz da área diante da iminência de um ataque. "Aqui vivemos com os refúgios sempre à mão, depois de um alarme de lançamento de foguetes só temos 30 segundos para nos pormos a salvo", afirma Eden. Um projétil matou uma criança. O conflito tirou a vida de 67 soldados israelenses e seis civis.
De volta a Gaza - onde morreram cerca de 1.500 civis e 700 combatentes, segundo a ONU -, as crianças voltaram a brincar na praia perto do hotel Al Deira, na capital do enclave. A organização Save the Children afirma em seu último relatório que 70% das crianças da faixa têm medo de que haja outra guerra como a do ano passado, na qual morreram 551 crianças. Muitos menores demonstram hoje estresse emocional severo, como Montacer Baker, 12 anos, que perdeu um irmão e três primos em um ataque da aviação israelense com mísseis quando jogavam futebol na praia em Al Deira. O exército israelense afirma que foram confundidos com milicianos do Hamas.
Qualquer pessoa que tenha observado o olhar perdido e as reações irritadas de Montacer, que quase não recebe atendimento psicológico, intuirá a imagem do horror que o menino viveu no último verão.

Fonte: El Pais.

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