Joe
Biden finalmente apresentou a proposta diluída do plano social Build
Back Better, depois de meses de negociações com os Senadores Kyrsten
Sinema e Joe Manchin, mas a aprovação ainda não está garantida.
Já
a nível dos idosos, Biden quer melhorar o acesso ao Medicaid (um
programa público de saúde para os cidadãos mais carenciados) para lares e
para pessoas com deficiências, o que a Casa Branca diz ser o
“investimento mais transformador” no acesso a cuidados em 40 anos.
Os
cuidados de saúde também estão na mira e são frequentemente uma das
maiores preocupações dos eleitores norte-americanos, num país com um
sistema totalmente privatizado e onde 68 mil pessoas morrem anualmente
devido à falta de cuidados de saúde. A presidência promete custos mais
baixos para 9 milhões de americanos através do Affordable Care Act — o
famoso Obamacare. Biden quer também expandir a cobertura do Medicaid a
mas pessoas e incluir aparelhos de audição no Medicare (programa público
de saúde para cidadãos acima dos 65 anos).
A Casa Branca também
quer facilitar as contas à classe média, com um investimento de 150 mil
milhões para expandir o acesso a à habitação acessível. O subsídio Pell
Grant que é dado a jovens que precisam de apoio para pagar o Ensino
Superior deve ser aumentado em mais de 550 dólares para 5 milhões de
estudantes e as refeições gratuitas nas escolas também devem agora
abranger 8.7 milhões de crianças.
No plano fiscal, a proposta
cria um imposto mínimo de 15% nas corporações que tenham mais de mil
milhões de lucros. Esta mudança causou alguma confusão dentro do Partido
Democrata, como escreveu o
The Intercept.
O Senador Angus King afirmou na terça à noite que a versão original da
legislação, que foi proposta em Agosto, determinava o valor em 100
milhões, mas que a oposição de dentro da administração Biden pressionou
até que o mínimo fosse subido para mil milhões. “A nossa proposta
original angariaria o dobro do dinheiro e era uma taxa mais baixa”,
afirma King. A versão original iria afectar 1300 empresas, enquanto que a
actual se limita a 200.
A criação de uma taxa mínima de IRC de
15% a nível mundial é uma ideia já há muito defendida por Biden como
forma de acabar com paraísos fiscais, tendo inclusivamente já sido
discutida no G7,
e está também incluída no pacote. O novo plano prevê também aumentar
os impostos aos mais ricos, com uma sobretaxa de de 5% em rendimentos a
acima de 10 milhões e uma outra sobretaxa adicional em rendimentos acima
de 25 milhões de dólares.
De 3.5 biliões para 1.75 biliões — o que caiu?
Apesar
da confiança da Casa Branca, adivinha-se já muita oposição da ala
progressista do Partido Democrata devido às medidas importantes que
caíram do Build Back Better original, que previa um gasto de 3.5 biliões
ao longo de 10 anos. O impasse político também se devia à oposição dos
progressistas na Câmara dos Representantes, que se recusaram a aprovar a
lei das infraestuturas que já passou no Senado
enquanto não tivessem a garantia de que o pacote social seria aprovado
no Senado. Manchin e Sinema estavam a bloquear o pacote no Senado, onde
todos os votos são precisos devido à divisão de 50 Senadores para cada
lado, o que gerou um impasse de semanas que Biden espera ver agora
resolvido.
Entre as medidas que caíram, a mais notória é a
criação de uma licença parental paga de 12 semanas, num país que é dos
poucos industrializados que não garante qualquer tempo de licença paga
por lei. A medida foi uma das exigências do Senador Joe Manchin para
votar a favor no Senado, que diz que uma lei deste tipo, que apenas
precisa o apoio dos Democratas para ser aprovada, “não é o lugar para
uma política importante”, querendo assim um apoio dos Republicanos para a
aprovar.
A verdade é que a simpatia pelos Republicanos de
Manchin não é novidade, tendo o Senador da Virgínia Ocidental dito em
tom de brincadeira esta semana que não sabe a que partido pertence.
Questionado sobre a possibilidade de mudar de partido, o político
respondeu que a sua vida seria “muito mais fácil” de trocasse. “Mas é
esse o propósito de estar envolvido no serviço público? Acham que ter um
“D” ou um “I” ou um “R” vai mudar quem sou? Acho que os Rs estariam
muito mais felizes comigo do que os Ds agora. Não sei onde raio
pertenço”, afirmou. O Senador também foi o Democrata que mais apoiou
mais nomeados para cargos públicos de Trump e chegou a considerar apoiar
oficialmente o ex-presidente na recandidatura à Casa Branca.
As
expansões significativas prometidas ao sistema de saúde também foram
cortadas, incluindo provisões para que o Medicaid começasse a abranger
cuidados dentários e de visão, assim como um plano para expandir o
Medicaid a americanos que vivem em estados que se recusaram a
expandi-los eles mesmos dentro do Obamacare. Uma proposta para se usar o
Medicare para negociar preços de medicamentos mais baixos também foi
por água abaixo.
O machado também caiu em cima do plano para a
gratuitidade das universidades comunitárias, assim como do imposto sobre
bilionários. Apesar da proposta actual prever um aumento na tributação
aos mais ricos, a ideia original era bastante mais robusta e
revolucionaria completamente a forma como os impostos são pagos no país
do capitalismo, além de ser uma das maiores fontes de receita para
colmatar o rombo nas contas públicas causado pelas outras medidas.
Na
proposta original, os bilionários passariam a pagar impostos sobre as
acções que têm das suas empresas. Actualmente, os investidores pagam
impostos sobre os ganhos só quando vendem alguma coisa e lucram com
isso. Os mais ricos contornavam esta tributação ao segurarem
investimentos até morrerem e passarem-nos para os herdeiros sem terem de
pagar impostos ou então ao pedirem empréstimos à condição dos seus
investimentos e com baixos juros para poderem continuar com um estilo de
vida luxuoso sem ter de pagar um cêntimo ao Estado.
A ideia
inicial proposta por alguns Democratas era de acabar com estas brechas
ao passarem a ser tributadas as acções e activos negociáveis dos mais
ricos, mas a medida morreu quando os centristas manifestaram a sua
oposição meras horas depois de ser conhecida.
Progressistas prometem bater o pé
A
proposta foi conhecida há meras horas, mas já se espera mais um esticar
da corda do lado dos representantes progressistas perante a enorme
cedência de Biden a Manchin e Sinema. A Presidente da Câmara dos
Representantes, Nancy Pelosi, já veio apelar a que os Democratas mais à
esquerda, como Alexandria Ocasio-Cortez ou Ilhan Omar, cedam e não
deixem a lei das infraestruturas refém do Build Back Better.
“Para
aqueles que disseram “quero ver o texto”, o texto está aqui para vocês
lerem e para se queixarem. Estamos no caminho para aprovarmos isto”,
disse Pelosi numa conferência de imprensa esta tarde, depois de revelar o
documento de 1600 páginas, numa aparente alfinetada aos progressistas. A
CNN
escreve também que a líder Democrata está a apelar nos bastidores a que
os colegas não “envergonharem” Biden ao arrastarem o impasse.
A
porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, também pediu união no partido.
“Estes são componentes daquilo em que o Presidente fez campanha, aquilo
que ele prometeu, e todos teriam um impacto gigante nas vidas das
pessoas por todo o país, por isso querem ser parte disso ou ser parte de
nada? Porque são essas as alternativas?”, desafiou. Outras vozes
conhecidas da política americana, como Barack Obama e Hillary Clinton,
também já manifestaram o seu apoio à lei de Biden.
“Está na hora
de votarmos a lei das infraestruturas e mostramos que o governo pode
funcionar outra vez”, apelou também a congressista Suzan DelBene, que
preside à centrista Nova Coligação Democrata. “Mantemo-nos totalmente
comprometidos em levar este plano Build Back Better além da linha da
meta o mais rapidamente possível”, rematou.
Mas os apelos não
parecem estar a resultar. A líder do caucus progressista, Pramila
Jaypal, já disse que continuam a haver “muitos votos negativos” para que
a lei das infraestruturas passe, já que a maioria Democrata na Câmara
dos Representantes tem uma ligeira maioria Democrata que precisa dos
votos dos mais esquerdistas.
“Continuavam a haver muitas pessoas
que realmente acreditam que não podemos aprovar a lei das
infraestruturas sem um acordo total, em linguagem legislativa, e um voto
em conjunto”, revelou à MSNBC. Vozes influentes na esquerda americana,
como os Senadores e antigos candidatos presidenciais Bernie Sanders e
Elizabeth Warren, também já apoiaram a intenção dos representantes
progressistas.
A representante Cori Bush também já confirmou que
mais de 10 membros do caucus progressista vão continuar a rejeitar a
lei das infraestruturas caso não haja progressos com o pacote social.
“Se for sozinho, voto 100% não. E isto não é nada contra o Presidente. O
que estamos a dizer é que não confiamos nas pessoas que têm o poder de
voto”, revelou à MSNBC, numa crítica pouco subtil a Sinema e Manchin.
A
verdade é que Bush tem razão nessa desconfiança, já que nem Manchin nem
Sinema confirmaram se vão votar a favor da nova proposta de Biden.
Sinema, que tem sido parca nas declarações aos jornalistas ao longo de
todo o processo de negociações, recusou responder a perguntas à saída do
Capitólio, tendo apenas emitido um comunicado hoje em que diz que
“aguarda ansiosamente” pela resolução do problema para poder “ajudar as
famílias” americanas “depois de meses de negociações produtivas e de
boa-fé”.
Já Manchin também não confirmou se vai finalmente ceder
e votar a favor, limitando-se a mostrar-se satisfeito com um corte em
metade no valor da lei. “Isso foi negociado“, disse o Senador.
Numa
fase em que Biden está a perder popularidade em parte devido às suas
falhas no cumprimento de promessas eleitorais — e consequentemente a
preocupar os Democratas na antecipação das eleições intercalares — do
próximo ano, este impasse não traz bons agoiros para a taxa de aprovação
do Presidente. Resta continuar a acompanhar os próximos capítulos da
novela no Congresso norte-americano.
Entre promessas por cumprir e a saída do Afeganistão, Biden está a perder popularidade – e os Democratas estão preocupadoshttps://zap.aeiou.pt/biden-cede-sinema-manchin-corta-pacote-441197