O hospital chinês onde trabalhava Li Wenliang, o primeiro
médico que alertou para os perigos do novo coronavírus e que acabou por
morrer, foi o mais atingido pelo surto devido ao ocultar de informações
essenciais, revela uma investigação da revista chinesa Caixin.
Entre os 4.000 funcionários que trabalhavam no Hospital Central de Wuhan, 230 morreram devido a infeção pelo Covid-19, a maior taxa de mortalidade entre funcionários de saúde em Wuhan, cidade chinesa que é epicentro do surto.
O chefe de um dos departamentos do Hospital citado pela Caixin, uma das raras publicações independentes na China, culpou as autoridades por colocarem vidas em risco.
“As informações falsas divulgadas por departamentos relevantes [de
que a doença era controlável e não era infeciosa entre seres humanos]
deixaram centenas de médicos e enfermeiros no escuro, que fizeram tudo
ao seu alcance para tratarem pacientes sem conhecerem a doença”, apontou
o responsável, cujo nome não é identificado pela Caixin.
“E mesmo aqueles que adoeceram não puderam denunciar.
Não puderam alertar os seus colegas e o público a tempo, apesar do
sacrifício. Essa é a perda e a lição mais dolorosas”, disse.
Segundo apurou a revista, o hospital estava sobrecarregado por
pacientes com febre desde o início de janeiro. Vários ficaram ao cuidado
de médicos não especializados em doenças contagiosas. Os médicos
citados pela Caixin culparam a administração de “incompetência”.
O chefe do Partido Comunista no hospital não tinha conhecimentos sobre doenças infeciosas e proibiu os médicos de divulgarem informações críticas para a saúde pública, apurou a revista.
Um documento interno do Hospital Central obtido pela Caixin revelou ainda interferência direta das autoridades municipais de saúde de Wuhan,
que tornou difícil para o hospital divulgar casos, sobretudo entre os
dias 12 e 17 de janeiro passado, quando os quadros locais do Partido
Comunista participaram nas reuniões do órgão legislativo local.
Segundo apurou a Caixin, um funcionário do ministério de Segurança
Pública visitou o hospital no dia 12 de janeiro e ordenou que os
formulários sobre doenças infeciosas só pudessem ser preenchidos e relatados após consultas com especialistas a nível municipal e provincial, atrasando o processo.
Em 13 de janeiro, Wang Wenyong, chefe do gabinete de controlo de
doenças infeciosas do distrito de Jianghan, em Wuhan, ligou para o
hospital e pediu que fossem alterados relatórios suspeitos de infeção
pelo novo coronavírus, arquivados em 10 de janeiro, para que constassem
outras doenças nos ficheiros.
Em resposta, o hospital pediu às autoridades de saúde do distrito que
coletassem amostras, mas foram informados que deviam aguardar. A espera durou três dias.
Em 16 de janeiro, após terminarem as reuniões do órgão legislativo
local, o centro de controlo de doenças da cidade de Wuhan finalmente foi
coletar amostras. Na altura, o hospital tinha 48 casos suspeitos.
As novas revelações ilustram como as autoridades de Wuhan agiram para suprimir informações sobre a doença, que já causou 4.500 mortos e infetou mais de 124 mil pessoas numa centena de países e territórios.
Reportagens anteriormente publicadas pela Caixin apuraram como, em 30
de dezembro passado, Ai Fen, chefe do departamento de emergência do
Hospital Central, compartilhou as primeiras análises a pacientes
infetados com uma nova “doença misteriosa”, através do aplicativo de
mensagens instantâneas WeChat, com amigos da faculdade e equipas médicas
do hospital, alertando-os para que tivessem cuidado.
Na mesma noite, vários médicos em Wuhan, replicaram o aviso. As
mensagens circularam amplamente ‘online’, mas várias pessoas, incluindo
Li e outros dois médicos do hospital, foram posteriormente punidos pelas autoridades por “espalharem rumores”.
Ai Fen foi convocado pelos supervisores do hospital, em 02 de janeiro
passado, e punido por instigar o pânico e “afetar o desenvolvimento
geral” de Wuhan, segundo a revista.
No dia seguinte, o Hospital Central pediu a todos os departamentos que vigiassem a equipa de Ai e exigiu que não divulgassem “informações confidenciais” ao público, segundo uma gravação que vazou para o público.
O surto provocou forte descontentamento popular na China, com as
redes sociais do país a encherem-se críticas diretas ao regime e apelos
por liberdade de expressão, num fenómeno inédito no país asiático, onde
ativistas ou dissidentes são frequentemente condenados por “perturbação
da ordem pública” ou “subversão do poder do Estado”.
Fonte: https://zap.aeiou.pt/autoridades-chinesas-ocultaram-informacoes-essenciais-novo-coronavirus-313332
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