A
Direcção Geral da Saúde está atenta depois do alerta do Centro Europeu
de Controlo de Doenças e da Organização Mundial de Saúde para os casos
de hepatites agudas, de origens desconhecidas, em crianças que se
registaram em vários países. Em Espanha, avança-se que a causa pode ser
um vírus que circula em animais roedores de todo o mundo.
Países
como EUA, Dinamarca, Escócia, Países Baixos e Espanha têm registado
casos de hepatites agudas em crianças sem que se conheçam as suas
causas.
Até agora, ainda não foram registados casos em Portugal,
mas o responsável pelo Programa Nacional para as Hepatites Virais da
DGS, Rui Tato Marinho,
revela à Rádio Renascença que os pediatras já foram alertados para a situação.
A
DGS também está a acompanhar o caso perante hepatites agudas que
provocam quadros de inflamação grave do fígado em crianças, algo que não
é normal.
“Uma coisa que chama a atenção é o facto de terem
surgido muitos casos em países diferentes e há uma pequena percentagem
de casos que não evoluíram bem, em que o fígado falhou mesmo e tiveram
de fazer transplante hepático“, nota Rui Tato Marinho.
O especialista realça que “os colegas da pediatria estão de
sobreaviso” em Portugal depois de terem sido notificados casos “há três
semanas no norte da Europa, Escócia, País de Gales e Espanha, em crianças muito pequeninas, entre os dois e os quatro anos”.
Rui Tato Marinho explica que “não se sabe qual é a causa” e realça que “as causas mais frequentes das hepatites que são os vírus A, B, C, D e E foram excluídas”.
Algumas das crianças com estas hepatites agudas, estavam infectadas com covid-19,
mas não é certo que as situações possam estar relacionadas. Até porque
“também há muitas crianças sem covid-19, por isso não se pode
valorizar”, realça ainda Rui Tato Marinho.
“O que se pensa é que é um vírus que, entre outras coisas, afecta o fígado e provoca uma inflamação no fígado. Pode ser um novo vírus. Está tudo em aberto”, aponta o especialista português.
Estudo espanhol culpa novo vírus zootécnico
Investigadores espanhóis estimam que o vírus Orthohepevirus C estará por trás de 2% das hepatites agudas de origem desconhecida que se registaram em crianças na Europa, conforme um estudo divulgado pelo jornal El Mundo.
Em Hong Kong, já houve 17 casos com “vinculação directa” a este vírus que circula em animais roedores de todo o mundo, como salienta o mesmo jornal.
O
primeiro caso de um paciente alvo de um transplante de fígado devido a
uma hepatite crónica causada por este vírus zootécnico foi registado em
Hong Kong, em 2018, como destaca o mesmo jornal.
Já no continente europeu, os primeiros casos de
hepatites agudas provocadas pelo Orthohepevirus C foram, agora,
registados num estudo de um centro de doenças infecciosas e do Instituto
Maimonides de Investigação Biomédica de Córdoba (Imibic), em Espanha.
Os dados registado “sugerem uma nova causa emergente de hepatite aguda
devido à prevalência detectada entre os pacientes acometidos pela
infecção de origem desconhecida”, aponta o estudo publicado no Journal
of Hepatology que foi coordenado pelo investigador espanhol Antonio
Rivero da Unidade de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Reina
Sofía e do Imibic.
Os investigadores espanhóis partiram da ideia de que, “considerando
que o vírus estava presente em roedores globalmente (incluindo em
Espanha)”, poderia haver, “provavelmente”, casos a passarem “despercebidos” pelo facto de o “diagnóstico não ter sido implementado”, constata Rivero no El Mundo.
As pesquisas feitas sugerem que “o Orthohepevirus C é um novo agente zoonótico” com “alto impacto na saúde global devido à amplitude do seu reservatório animal”, aponta Rivero.
“Cerca de 2% das hepatites agudas de origem desconhecida podem ser causadas por este vírus”, acrescenta o investigador.
A pesquisa efectuada em Espanha detectou a presença do RNA do
Orthopevirus C em pacientes com hepatite aguda em vários hospitais do
país.
Pode ter ocorrido transmissão idêntica à do coronavírus
Até o momento, o vírus da hepatite E (HEV) era o único membro da família Hepeviridae com potencial zootécnico.
A
infecção por Orthopevirus C é “muito semelhante” à produzida pelo vírus
da hepatite E, segundo Rivero, podendo provocar “hepatite aguda
auto-limitada, hepatite fulminante e hepatite crónica em pacientes
imunossuprimidos”, aponta o investigador ao El Mundo.
“Além disso, por apresentarem alta similaridade com o vírus da
hepatite E, os marcadores sorológicos utilizados para o diagnóstico podem ter reacção cruzada
com o Orthohepevirus C”, acrescenta Rivero, concluindo que, com base no
estudo, “há uma proporção dos diagnosticados com HEV que, realmente,
tem este novo vírus”.
Nenhum dos casos de Orthopevirus C identificados no estudo afirmou ter tido qualquer contacto directo com roedores. No caso de Hong Kong, apenas um paciente teve esse contacto de forma consciente.
Contudo, pode ter ocorrido “um contacto indirecto com estes animais“, vinca Rivero.
“Sabemos que o vírus é eliminado pelas fezes dos roedores,
então o contacto com objectos contaminados pelas fezes desses animais
pode ser uma possível via de transmissão”, explica o investigador,
salientando que “estão a ser investigadas “outras vias” relacionadas com
o contacto com “outras espécies animais que serviriam como hospedeiros intermediários“.
Neste caso, seria uma forma de transmissão semelhante à que se acredita ter ocorrido com o coronavírus causador da covid-19.
Os investigadores realçam que ainda é preciso estudar mais dados para
tirar conclusões mais precisas e correctas. Até porque, “clinicamente, é
indistinguível das hepatites agudas produzidas por outros vírus
hepatotrópicos”, ou seja, que afectam especificamente o fígado, como
aponta Rivero.
https://zap.aeiou.pt/hepatites-infantis-origem-desconhecida-virus-474236