Mais de 100 chilenas acreditam ter engravidado depois de tomarem pílulas que são fornecidas pelo Governo. Contudo, nem o Estado nem a farmacêutica que fabricou os comprimidos oferecem qualquer ajuda às mulheres. O facto do aborto ser ilegal no país dificulta ainda mais a situação.
Quando Melanie Riffo descobriu que estava grávida, em setembro do ano passado, a jovem desconfiou que algo não estava bem. Com apenas 20 anos, a chilena garante que sempre foi cuidadosa no que diz respeito às práticas sexuais e garante que tomou as pílulas anticoncecionais que lhe foram prescritas e dadas pelo centro de saúde público, mas mesmo assim engravidou.
“Nunca pensei em ser mãe com esta idade. Eu queria ir para a universidade, mas agora será ainda mais difícil para mim”, disse Riffo, cuja gravidez inesperada pode ter sido culpa de pílulas anticoncecionais Anulette.
De acordo com a VICE, pílulas de placebo foram trocadas, por engano, por ativas – um erro que é responsável por mais de 100 gestações indesejadas.
O laboratório que fabrica o Anulette – Silesia – emitiu um alerta sobre o lote defeitusoso, mas não se desculpou pelo incidentes, nem ofereceu ajuda às mulheres que estão agora a passar por uma gravidez indesejada.
Em entrevista a uma televisão nacional, o laboratório explicou apenas 12 dos produtos tinham problemas, mas que não foi possível inspecionar todas as caixas.
Além disso, insistiu que o estado deveria ter verificado os comprimidos antes de os distribuir nos centros de saúde públicos.
“As mulheres confiavam nas pílulas que recebiam das clínicas estatais. A culpa não é só do laboratório, mas também do governo. Ambos são responsáveis ”, afirma Anita Peña Saavedra, diretora da organização chilena de direitos reprodutivos Corporacion Miles.
Atualmente, o grupo entrou com uma ação judicial em nome de todas as mulheres que engravidaram enquanto tomavam Anulette quando os comprimidos com defeito estavam em circulação.
Estima-se que cerca de 267 mil caixas de pílulas com defeito foram distribuídas em 26 centros de saúde do país, antes do comunicado da farmacêutica ter sido emitido e, pelo menos, 112 mulheres acreditam estar grávidas por causa dos comprimidos.
Vários ativistas defendem que a situação destaca a necessidade de serem revistos e estabelecidos mais direitos reprodutivos no Chile, onde o aborto é ilegal, exceto em casos de violação, se a vida da mãe estiver em risco, ou se o feto não tiver possibilidades de sobreviver após o parto.
“Este é um caso que mostra por que razão ter três exceções legais não é o suficiente. É sempre importante ter acesso ao aborto gratuito e legal”, frisa Paula Avila, advogada de direitos humanos, acrescentando que estas mulheres “não têm outro caminho a não ser dirigir-se a um serviço clandestino e colocar as suas vidas em risco”.
Também Melanie Riffo planeou interromper a gravidez através de um aborto clandestino. “Eu não queria ter o bebé”, disse a jovem, explicando que, por não querer correr o risco, considerou ser melhor “seguir em frente e ver o que acontece”, mas que neste momento está a passar por uma depressão.
Perante os acontecimentos, o ministro da Saúde do Chile, Enrique Paris, culpabilizou o laboratório pelo erro durante uma entrevista ao noticiário nacional, afirmando que as gravidezes comprovadamente causadas pelos comprimidos devem ser compensadas e que o Ministério ofereceu atendimento psicológico apenas a algumas mulheres afetadas.
Anita Peña Saavedra, da Corporation Miles, sublinha que a culpa é de uma “cadeia de erros” que começa no laboratório e termina no controlo de qualidade do governo. O objetivo da luta jurídica que a instituição está a travar é requerer indemnizações e respostas adequadas para estas mulheres.
O governo chileno garante à equipa jurídica da Corporation Miles que lançou uma investigação após receber a primeira reclamação sobre o lote B20034A em agosto de 2020.
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