Queda
abrupta da divisa e filas às portas dos bancos na Rússia, no dia em que
o banco central foi forçado a colocar as taxas de juro a 20%, para
travar a depreciação da moeda e a escalada da inflação.
A
economia russa deu esta segunda-feira sinais claros de poder estar a
entrar num círculo vicioso de queda da divisa e escalada da inflação.
Segundo o
Público,
o banco central revela sérias dificuldades em contrariar uma crise com
características semelhantes às que ocorreram em economias emergentes no
passado, mas que desta vez é provocada pelas sanções económicas e
financeiras com que o Ocidente respondeu ao ataque da Rússia à Ucrânia.
As
medidas decididas durante o fim de semana pelos EUA, União Europeia e
Reino Unido parecem ter sido o golpe capaz de fazer vacilar a economia
russa.
O bloqueio do acesso de parte dos bancos russos ao sistema de mensagens para
transações internacionais SWIFT
e, principalmente, o congelamento das reservas de divisas estrangeiras
detidas pelo banco central russo na Europa e nos Estados Unidos,
acentuou a quebra de confiança dos mercados no sistema financeiro da
Rússia e na sua divisa.
Logo ao início do dia, a queda do rublo
face ao dólar superou os 30%, com a divisa a bater sucessivamente novos
mínimos históricos.
O banco central russo não demorou a
responder, mas, em vez de, como fez na última quinta-feira, intervir
diretamente no mercado comprando rublos com as divisas estrangeiras que
acumulou ao longo dos últimos anos, o que fez foi anunciar um aumento
drástico das suas taxas de juro de referência de 9,5% para 20%.
“Se eu pudesse deixar a Rússia agora mesmo, deixaria. Mas não posso deixar o meu emprego”, diz Andrey, em entrevista à
BBC.
Andrey explica que não tem dinheiro para conseguir uma hipoteca em Moscovo, agora que as taxas de juro foram aumentadas.
“Estou
a planear encontrar novos clientes no estrangeiro o mais rapidamente
possível e sair da Rússia com o dinheiro que estava a poupar para a
primeira prestação”, diz o desenhador industrial de 31 anos.
Milhões
de russos como começam a sentir o efeito das sanções económicas
ocidentais destinadas a punir o país por invadir a vizinha Ucrânia.
O
banco central russo decretou ainda a obrigação das principais empresas
exportadoras russas, que incluem as produtoras de petróleo e gás
natural, de trocarem 80% das suas receitas em divisas estrangeiras por
rublos.
O anúncio das medidas fez reverter parte das perdas do
rublo face ao dólar, mas mesmo assim, ao fim do dia a tendência já era
outra vez de descida e depreciação ao dia anterior cifrava-se acima dos
20%.
“Quando a operação em Donbas começou, fui ao multibanco e
retirei as poupanças que tinha em Sberbank em dólares. Agora guardo-as
literalmente debaixo da minha almofada”, conta Anton, um cidadão russo.
“O
resto das minhas poupanças ainda estão nos bancos: metade em dólares e o
resto em rublos. Se as coisas piorarem, eu retiro o lote. Estou
assustado porque espero uma onda de assaltos. Mas é o que é”,
acrescenta.
“Tem-se dado muita importância ao SWIFT, mas
parece-me que o congelamento das reservas do banco central é a sanção
mais importante. Impede que a autoridade monetária russa consiga
intervir de forma significativa no mercado cambial para defender a sua
moeda, já que não tem à sua disposição as divisas estrangeiras que
precisa para comprar rublos. Isto abre a porta a ataques especulativos à
moeda e cria o risco de entrada num círculo vicioso de queda da divisa e
subida da inflação”, explica Miguel Faria e Castro, economista na
Reserva Federal de St. Louis, nos EUA.
Esta quebra abrupta do
valor da divisa, para além de levar a uma subida imediata da inflação,
faz com que as pessoas optem por gastar imediatamente o seu dinheiro
para comprar bens que não percam o seu valor e tentem ficar na sua mão
com o máximo de divisas estrangeiras, como o dólar ou o euro.
Esses
passos já começam a ser evidentes na Rússia, com relatos de aumentos
das compras de jóias e com o surgimento de filas maiores que o normal
junto aos bancos e às caixas de levantamento automático.
“Em
economias emergentes, como a da Rússia, é comum as pessoas terem contas
bancárias em divisas estrangeiras. Mas agora, o facto de o banco central
ter perdido o acesso a parte das suas divisas, faz essas pessoas terem
dúvidas de que o seu banco terá os dólares ou os euros suficientes no
caso de quererem levantar o dinheiro. É por isso que começam as corridas
aos bancos“, diz o economista.
A arma económica que falta
Com
o aumento das taxas de juro que agora realizou, o banco central tenta
dar um incentivo aos aforradores para manterem os seus depósitos (já que
os bancos comerciais irão também subir os juros oferecidos), limitar a
subida da inflação e, principalmente, tentar contrariar a queda da
divisa nos mercados internacionais.
É, como explica Miguel Faria
e Castro, “uma das únicas coisas que conseguem fazer, mas tem um custo,
que é encaminhar ainda mais a economia para uma recessão“.
Uma
subida das taxas de juro, ainda para mais da dimensão agora decidida na
Rússia, constitui um obstáculo ao acesso ao crédito e, por isso, tem
como resultado uma contração do consumo e do investimento ainda maior do
que a que já aconteceria tendo em conta o efeito negativo na confiança
que a atual conjuntura está a gerar.
A outra medida tomada esta
segunda-feira pelo banco central – a de obrigar as empresas a venderem
as divisas estrangeiras que obtém com as suas exportações – também pode
constituir uma ajuda para a evolução do rublo nos mercados
internacionais.
No entanto, isso apenas acontecerá enquanto for possível às empresas russas continuarem a vender petróleo e gás natural.
Até
agora, para evitarem a imposição de custos mais severos para as suas
economias, EUA e Europa têm tido a preocupação de poupar o comércio de
produtos energéticos com a Rússia. Por exemplo, existem isenções no
bloqueio do acesso ao SWIFT para as transações deste tipo de bens.
“É
a última grande medida que falta tomar: acabar com as exportações de
petróleo e gás natural. Mas face à grande dependência que ainda existe
na Europa relativamente às exportações destes bens por parte da Rússia, a
verdade é que é bastante prejudicial para os dois lados. Aliás,
qualquer um dos lados pode usar esta arma”, afirma o investigador da
Reserva Rederal de St. Louis.
A possibilidade de não ser apenas a
Rússia a registar perdas nesta guerra económica está a ser colocada
pelos próprios mercados, tendo-se registado esta segunda-feira perdas
significativas nos principais índices em Wall Street e nas bolsas
europeias, principalmente no que diz respeito ao sector financeiro.
No
mercado petrolífero, a tendência continua a ser a manutenção do nível
muito elevado de preços, acima de 100 dólares por barril, algo que se
irá repercutir junto dos consumidores de todo o mundo.
Mas também aqui, as empresas petrolíferas russas começam a ter mais dificuldades em saírem beneficiadas.
O
preço do petróleo vendido pela Rússia já está, nos mercados
internacionais, a registar um desconto face ao petróleo vendido no
mercado do mar do Norte ou no mercado norte-americano.
Isto é,
certamente receosos do risco que constitui atualmente estar à espera de
produtos provenientes da Rússia, os compradores estão a tentar encontrar
petróleo noutros mercados e isso faz com que o preço do barril recebido
pelas empresas russas fique mais baixo do que o registado noutros
mercados.
https://zap.aeiou.pt/economia-russa-ja-vacila-perante-pressao-das-sancoes-464943