Um novo estudo indica que um plano secreto da CIA para capturar Osama Bin Laden, no início de 2011, teve como consequência uma queda significativa das taxas de vacinação no Paquistão.
O plano, que usava uma campanha de vacinação falsa para capturar amostras de ADN de crianças, com o objetivo de localizar Bin Laden, foi usado como arma de arremesso em campanhas anti-vacinas nos anos seguintes.
Na altura, as autoridades estavam desesperadas para confirmar a presença de Bin Laden no país, antes de lançar uma operação militar. A CIA estava convencida de que o terrorista estava a morar num complexo nos arredores de Abbottabad, no Paquistão.
No seguimento de um plano que parecia infalível, em março de 2011, um médico chamado Shakil Afridi iniciou uma campanha gratuita de vacinação contra a hepatite B no bairro de Nawa Sher.
No mês seguinte, a equipa de vacinação, liderada por Afridi, mudou inesperadamente o seu foco para a cidade de Bilal – um bairro mais rico. No local, as enfermeiras andavam de casa em casa a oferecer vacinas gratuitas às crianças.
Mais tarde, meses após o ataque dos EUA que resultou na morte de Bin Laden, uma notícia do jornal The Guardian revelou que Shakil Afridi afinal tinha sido recrutado pela CIA e fazia parte de um plano para confirmar a localização do terrorista no Paquistão.
O plano usava a vacinação como disfarce para recolher amostras de ADN de crianças que moravam no complexo que era suspeito de estar a abrigar Bin Laden. Uma vez recolhidas, as amostras de ADN podiam assim ser comparadas com as previamente recolhidas da irmã do terrorista, de modo a confirmar a conexão familiar e validar a sua presença na região.
O jornal britânico revela que uma das enfermeira que trabalhava para Afridi entrou no complexo para administrar as vacinas, mas não se sabe se, nesta visita, a profissional conseguiu recolher as amostras de ADN com sucesso.
Nos anos seguintes, o esquema levantou uma onda de críticas à CIA, por usar um programa de saúde pública como disfarce para reunir informações, e que fez com que o país começasse a ver as campanhas de vacinação com bastante descrédito.
O medo e a desconfiança instalaram-se e, no final de 2011, uma instituição de caridade sem fins lucrativos de vacinas foi expulsa do país pelo governo do Paquistão, apesar de não ter nenhuma conexão com o esquema da CIA.
Após se saber do plano, também vários funcionários relacionados com campanhas de vacinação foram assassinados, o que levou as Nações Unidas a suspender os esforços de vacinação contra a poliomielite no país.
Esta situação colocou o Paquistão entre os três únicos países do mundo com transmissão selvagem da doença.
Em 2013, uma carta aberta de doze das escolas de saúde pública mais prestigiadas dos Estados Unidos pressionou o governo para que este desse garantias de que este tipo de comportamento não acontecesse novamente.
Em resposta, o governo dos EUA prometeu não voltar a usar mais esquemas de vacinação para encobrir missões secretas, pois este exemplo mostrou que o plano da CIA acabou por, posteriormente, causar insegurança em relação à vacinação e assim colocar em risco a saúde da população do Paquistão.
O impacto da armadilha da CIA
Num novo estudo, publicado no Journal of the European Economic Association, uma equipa investigou de que forma é que esta estratégia da CIA causou descrédito em relação às vacinas no país.
Os investigadores descobriram que grupos extremistas, como o Talibã, usaram o plano de espionagem para amplificar o sentimento anti-ocidental ao espalhar informações erradas sobre a vacinação.
Em distritos que apresentam altos níveis de apoio a grupos islâmicos, os especialistas identificaram uma queda na taxa de vacinação de até 39%, escreve o New Atlas.
Tendo em conta a hipótese de que esta descida teve como base a propaganda anti-vacinas, o estudo observa que os dados mostram uma queda maior nas taxas de vacinação nas meninas.
Os autores do estudo acreditam que este facto pode estar relacionado com um tipo de mensagem anti-vacinas que alega que estas estão projetadas para esterilizar meninas.
Em última análise, o novo estudo oferece perceções claras e mensuráveis sobre o quão prejudicial este plano da CIA foi para a saúde pública.
Um dos autores aponta que as descobertas mostram como os governos devem ter cuidado para não se envolver em quaisquer comportamentos que possam ser usados para desacreditar medidas de saúde pública.
“A evidência empírica destaca que eventos que colocam em dúvida a integridade dos profissionais de saúde ou das vacinas podem ter consequências graves para a aceitação de produtos para a saúde, como as vacinas”, refere Andreas Stegmann, um dos autores do estudo.
Acrescenta ainda que “este assunto é particularmente relevante hoje, já que a aceitação pública das novas vacinas contra a covid-19 é crucial para enfrentar a pandemia”.
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