Depois dos Panama Papers e dos Luanda Leaks, chega a OpenLux,
uma investigação que destapa o submundo do centro financeiro do
Luxemburgo, um paraíso fiscal que é usado por grandes empresas,
milionários, artistas e por criminosos, incluindo a máfia, para
branqueamento de capitais e evasão fiscal.
A investigação denominada OpenLux juntou sete meios de comunicação internacionais – Süddeutsche Zeitung, Le Soir, OCCRP, IrpiMedia, McClatchy, Woxx e Le Monde
– que não precisaram de nenhuma fuga informática ou garganta funda para
investigar os meandros do centro financeiro daquele que é um dos países mais ricos do mundo, em termos de Produto Interno Bruto (PIB) por habitante, apesar da sua pequena dimensão territorial.
Durante mais de um ano de pesquisas, o grupo de jornalistas internacionais conseguiu analisar mais de 3 milhões de documentos acedendo a dados tornados públicos pelo próprio Governo do Luxemburgo.
O mais antigo desses documentos remonta a 1950, numa análise que permitiu chegar aos “arquivos da vida de mais de 260 mil sociedades luxemburguesas“, como atesta o jornal francês Le Monde.
A investigação permitiu concluir que “o Luxemburgo é actor-chave da evasão fiscal na Europa”, custando aos países vizinhos milhões de euros em impostos não pagos, como reporta o referido diário.
Grandes fortunas e empresas multinacionais são
atraídas pelas vantagens fiscais e pela discrição oferecida pelo país
numa estratégia que remonta ao tempo do ex-primeiro-ministro
luxemburguês Jean-Claude Juncker, que foi depois presidente da Comissão
Europeia.
De Shakira ao príncipe saudita, passando pela Amazon, até à máfia
A OpenLux aponta “a face escondida do Luxemburgo, um paraíso fiscal
localizado no coração da União Europeia”, conforme destaca, mais uma
vez, o jornal francês, vincando que o país é um verdadeiro “imã para a riqueza do mundo”.
O Grão-Ducado, onde vivem milhares de portugueses emigrantes, está
entre os 5 maiores paraísos fiscais do mundo e acolhe milhões de activos
financeiros que estão sedeados em sociedades offshore que custam biliões de euros em impostos que não são pagos a outros países da União Europeia (UE).
Entre 140 mil entidades investigadas de 157 nacionalidades diferentes, quase 90% são controladas por estrangeiros, sendo que os franceses surgem destacados com 17 mil empresas e mais de 100 mil milhões de euros de activos.
A lista de pessoas que guardam as suas fortunas no Luxemburgo inclui,
além de multinacionais e milionários, artistas, desportistas e
criminosos de colarinho branco.
A investigação permitiu apurar que 67% dos fundos mundiais de investimento
estão domiciliados no Luxemburgo. Entre estes, existem alguns “fundos
duvidosos”, suspeitos de serem alimentados por “actividades criminosas”
ou de estarem “ligados a criminosos visados por inquéritos judiciais”,
incluindo alguns com ligações à máfia italiana e ao submundo russo, aponta o Le Monde.
O partido de extrema-direita de Itália também terá escondido no Luxemburgo uma quantia que é procurada pelas autoridades italianas, e pessoas próximas do regime de Nicolas Maduro, na Venezuela, terão reciclado “fundos contaminados de compras públicas” no pequeno país europeu.
O golfista Tiger Woods, a cantora Shakira, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, mas também a Amazon, a Pfizer e a KFC, rede de restaurantes de fast-food norte-americana, estão entre os que têm as suas fortunas guardadas no Grão-Ducado.
Esse leque de privilegiados integra ainda 279 dos mais de 2 mil multimilionários
que constituem a lista da revista Forbes, bem como 37 das 50 famílias
francesas mais ricas, incluindo os Mulliez, proprietários da cadeia de
lojas Auchan, os Guerrand-Hermès, detentores da marca de luxo Hermès, e Bernard Arnault que é o presidente da LVMH que detém a marca Louis Vuitton.
Estas pessoas e empresas guardam os seus activos e investimentos no “cofre-forte” que é o Luxemburgo, usando uma estrutura de “sociedades fantasma sem escritório, nem assalariados”, como vinca o Le Monde.
Cerca de “metade das empresas comerciais registadas no país são puras holdings financeiras”, ou seja, empresas sem actividade económica real, cuja existência visa simplesmente ter participações noutras sociedades e efectuar operações, como acrescenta o mesmo jornal.
O Le Monde aponta ainda que 55 mil sociedades offshores gerem activos financeiros de 6.500 mil milhões de euros. Mas este número estará longe do valor real do dinheiro que passa pelo país.
Metade das offshores não têm “proprietário identificável”
A OpenLux resultou da consulta exaustiva, ao longo de um ano, dos
registos de comércio e das sociedades (RCS) que organizam todos os actos
administrativos das empresas luxemburguesas, e do Registo dos Beneficiários Efectivos (RBE), um mecanismo implementado pelo Ministério da Justiça do Luxemburgo que visa garantir a “respeitabilidade” e a transparência do país.
O RBE foi criado a 1 de Setembro de 2019 no âmbito de uma directiva
da União Europeia (UE) contra o branqueamento de capitais e o Luxemburgo
foi “um dos únicos países” da UE que optou por “um registo completamente aberto e acessível, sem qualquer restrição, ao grande público”.
Os dados podem ser consultados online, mas é uma rede intrincada e infinda de documentos que só foi possível analisar graças a um programa informático que passou a pente fino os registos, recolhendo e organizando automaticamente a informação.
A análise dos dados permitiu concluir que metade das sociedades registadas no Luxemburgo não têm “nenhum proprietário identificável” – está em causa um universo de cerca de 68 mil entidades. Apenas 52% delas incluem “beneficiários verdadeiros”, salienta o Le Monde.
Governo assegura que Luxemburgo não é paraíso fiscal
O Governo do Luxemburgo já reagiu à investigação, contestando a ideia
de que o país seja um paraíso fiscal e assegurando que cumpre “todos os
regulamentos e normas de transparência da UE e internacionais”,
aplicando todas as medidas para “combater o abuso e a evasão fiscal”,
como cita o jornal Contacto que é editado no Grão-Ducado em Língua Portuguesa.
O Luxemburgo “não prevê qualquer regime fiscal favorável
às empresas multinacionais, nem às empresas digitais, que têm de
cumprir as mesmas regras e legislação que qualquer outra empresa” no
país, assegura ainda o Executivo.
Além disso, o Governo nota que avalia e actualiza “continuamente a sua arquitectura de supervisão e o arsenal de medidas para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo”.
Entretanto, os ministros das Finanças e da Justiça,
Pierre Gramegna e Sam Tanson, foram chamados a dar explicações, por
videoconferência, às Comissões Parlamentares de Justiça e de Finanças,
onde reiteraram a ideia de que o Grão-Ducado cumpre todas as normas
internacionais e da UE.
https://zap.aeiou.pt/cofre-forte-europa-submundo-luxemburgo-379228