Devastação e morte são duas palavras que andam lado a lado com a
história da China. Entre 1916 e 1927, durante a Era dos Senhores da
Guerra (um período marcado pela divisão do poder entre chefes
militares), estima-se que cerca de 6 milhões de camponeses morreram de
fome devido às instabilidades econômicas.
De 1927 até 1937, em um
período denominado Década de Nanquim, quando a capital Nanquim foi
declarada pertencente ao Partido Nacionalista, a China registrou 8
milhões de pessoas mortas por causa da violência.
No entanto, por incrível que pareça, o pior ainda estava por vir.
As três "ondas"
Mao Tsé-Tung. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em
julho de 1958, o Rio Amarelo inundou e causou a destruição de parte da
província de Henan e de Shandong. Segundo relatórios do governo,
estima-se que cerca de 741 mil pessoas tiveram seus lares arrasados nas
1.708 aldeias, sendo que milhares de acres de campos agrícolas foram
apagados.
No ano seguinte, o calor severo matou milhares de
pessoas, com uma temperatura que provocou uma seca jamais vista na
China. Esses dois cataclismos foram acompanhados de tufões, infestações
de insetos que atingiram pessoas e devoraram o que havia sobrado das
plantações.
Isso se estendeu por mais 3 obscuros anos que foram
marcados pela queda vertiginosa da China em um desfiladeiro
socioeconômico. Os líderes chineses definiram esse período como os "Três
Anos de Desastres Naturais", atribuindo toda a culpa à natureza.
Entretanto, o político Liu Shaoqi disse que apenas 30% do que o país
passou pode ser atribuído aos fenômenos naturais, pois 70% tinha
acontecido por causa de erro humano, causado por Mao Tsé-Tung.
(Fonte: Alpha History/Reprodução)
Em
1958, o líder político decidiu iniciar uma campanha de reforma chamada
Grande Salto Adiante, que visava transformar a China, em tempo recorde,
em uma nação economicamente muito desenvolvida e socialmente igualitária
por meio de uma aceleração da interdependência dos camponeses através
de uma reforma agrária forçada e da industrialização urbana.
O
cronograma pretendia fazer tudo isso em 3 anos, sendo que o processo
levaria, na verdade, de 10 a 15 anos no mínimo. No entanto, Mao tinha a
ambição de poder declarar que a sua nação tinha "o poder de um átomo".
A ruptura
(Fonte: Alpha History/Reprodução)
Historiadores
como Frank Dikötter afirmam que a maioria das inundações aconteceram
devido às obras de irrigação massivas mal instaladas e executadas que
foram espalhadas por todo o país para que o “salto” de Mao pudesse
acontecer.
Estimulados pelo líder, os camponeses ergueram centenas
de barragens entre os milhares de quilômetros de canais de irrigação na
esperança de deslocar a água das áreas úmidas para as regiões que
estavam secas.
Demorou para que ficasse claro que as mudanças
institucionais e agrárias do projeto de Mao foram os principais fatores
para agravar os desastres causados pela natureza e estabelecer um dos
piores inimigos do homem: a fome.
Mao comprou todas as ideias
mirabolantes do russo Trofim Lysenko e o colocou à frente do projeto de
aceleração da produção agrária. Lysenko ordenou que os agricultores
utilizassem a técnica da lavoura profunda – cavando 50 cm no solo em vez
de 20 cm – para modificar a retenção de água e encorajar o crescimento
de raízes mais profundas. Ele fez isso ignorando o fato de que, em solo
raso, sedimentos e areia seriam empurrados para cima e, com isso,
enterrariam o solo fértil, atrofiando gravemente o crescimento das
mudas.
Com os camponeses proibidos de usarem fertilizantes nas
terras, o projeto de Lysenko permitiu que elas fossem destruídas pelos
fenômenos naturais.
(Fonte: Flickr/Reprodução)
E,
como se não isso não bastasse, para criar uma falsa ilusão de que a
economia estava em expansão, o governo espalhou relatórios fabricados de
números recordes de colheita, que na verdade estava em queda — afinal,
os agricultores foram forçados a vender seus grãos a preços estipulados
pelo governo.
Desse modo, os relatórios serviram para manter os
agricultores produzindo enquanto tudo era exportado para alimentar os
centros urbanos, em um ato deliberado de fornecimento seletivo.
Acreditando
no governo e nos números apresentados por este, as comunas ignoraram o
baixo índice de estoque interno com a certeza de que alguma ajuda seria
enviada caso a situação não melhorasse.
Tudo era para ter sido
encerrado em agosto de 1959 durante a Conferência de Lushan, quando Peng
Dehuai criticou os exageros do Grande Salto Adiante, porém Mao não
relaxou as políticas e a catástrofe arrebentou de vez.
A fome estatal
(Fonte: UWM/Reprodução)
Os
chineses foram devorados pela "onda" de fome. Somente na província de
Sichuan, milhares de pessoas arrancavam nacos de terra com grama ou
cascas de árvores para comer. Esterco, couro e serragem foram outras
fontes alternativas de alimentação. Uma guerra começou quando cães e
gatos domésticos foram roubados para serem comidos, enquanto pessoas se
lançavam até dentro dos esgotos com o intuito de capturar ratazanas para
matar a fome.
Quando os animais acabaram, esquadrões de
camponeses vasculharam covas recém-feitas para exumar os cadáveres e
devorá-los. Aqueles que ficaram doentes foram canibalizados pelos
parentes ou por estranhos. Dikötter descreve em seu livro A Grande Fome de Mao: A História da Catástrofe mais Devastadora da China
que até as mães comiam os fetos que nasciam mortos pela deficiência de
vitaminas. As mulheres sofreram de amenorreia (ausência de períodos
menstruais) e o enfraquecimento dos músculos pélvicos causou em milhares
delas a descida do útero para o interior da vagina.
(Fonte: Indus Scrolls/Reprodução)
Milhares
de pessoas ficaram desnutridas, repletas de edemas por causa da fome.
Em virtude disso, estima-se que cerca de 3 milhões se suicidaram – e
alguns foram comidos – durante picos de histeria ou desenvolveram
transtornos mentais irreversíveis.
Foi necessário que
aproximadamente 53 milhões de pessoas morressem para que o ego
desproporcional de Mao Tsé-Tung acabasse com o Grande Salto Adiante, em
1961 – embora isso tenha acontecido principalmente porque a fome começou
a atingir outras esferas sociais.
Até que isso acontecesse, o
líder escondeu todas as informações sobre a tragédia, atribuiu aos
desastres naturais o que vazou na mídia e promoveu uma campanha com
propagandas de camponeses felizes, campos férteis e mesas abundantes.
Em
1981, o Partido Comunista da China definiu essa fase como "Os Três Anos
de Dificuldade" e trata tudo o que aconteceu de forma normalizada. No
entanto, até hoje a maioria da nação não sabe o que de fato aconteceu.
Ela continua sendo enganada.
https://www.megacurioso.com.br/ciencia/116128-a-grande-fome-de-mao-milhares-de-chineses-foram-canibalizados.htm