O termo “contrainteligência” ou “contraespionagem” nasceu da necessidade de o governo de uma nação desempenhar atividades para se proteger contra espionagem, sabotagem e operações terroristas internacionais e da oposição, em nome de poderes, organizações e pessoas estrangeiras. Ela faz parte da Segurança do Ciclo de Inteligência, que é uma variedade de disciplinas de segurança.
Nem todos os países estabelecem suas agências de serviço de inteligência como parte de uma estrutura policial, como fez os Estados Unidos com o Departamento Federal de Investigação (FBI); muitos deles criam órgãos independentes. No Reino Unido, por exemplo, existe o Serviço de Segurança, também conhecido como MI5, que está envolvido diretamente com as autoridades policiais. Outros governos que operam dessa mesma forma são os da Espanha, do Canadá, da França e da Rússia.
A contrainteligência foi dividida em 3 categorias: coletiva, defensiva e ofensiva. A coletiva é uma análise da capacidade de coleta de informações de uma entidade inimiga, enquanto a defensiva é o estudo que visa procurar na própria organização lugares que possam ser explorados pelos Serviços de Inteligência Estrangeiros (FIS) – atualmente “estrangeiros” é uma interpretação para “oposição”. Essa “oposição pode ser um país, um grupo transnacional ou um grupo insurgente interno. Já a contraespionagem ofensiva desempenha técnicas para neutralizar, prender ou expulsar (no caso de diplomatas) os agentes detectados. Além disso, eles também exploram e manipulam o FIS para tentar obter inteligência ou prejudicá-los.
O pensamento de Hoover
Em agosto de 1919, John Edgar Hoover, então com 24 anos, tornou-se o chefe da nova Divisão de Inteligência Geral do Escritório de Investigação, que era conhecida como “Divisão Radical”, porque monitorava e interrompia o trabalho de grupos radicais domésticos ou qualquer tipo de terrorismo pelo mecanismo de contrainteligência ofensiva em um momento em que a “ameaça vermelha” – o comunismo – estava crescendo na América e no mundo.
Dois anos depois, Hoover foi indicado como diretor do escritório de investigação, o que foi crucial para a criação do Departamento Federal de Investigação (FBI) em 1935, onde ele permaneceu por 37 anos como um dos cinco diretores. Conhecido por implementar modernizações na tecnologia policial, como o arquivo de impressão digital e laboratórios forenses, ele também se destacou como um homem de pensamentos extremistas.
Em 1956, Hoover já estava frustrado com as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos que limitavam cada vez mais a capacidade de o Departamento de Justiça processar as pessoas por suas opiniões políticas, especialmente quem era comunista. Obstinado em derrubar o comunismo crescente do país, ele deturpou a Lei de Controle Comunista de 1954 e a interpretou como uma espécie de aval para criar uma campanha secreta contra o Partido Comunista dos EUA.
Por meio do FBI, ele deu início ao programa secreto Cointelpro, um acrônimo para Programa de Contrainteligência, que visava desorganizar, expor, desacreditar e neutralizar o partido comunista, pois o enxergava como um perigo para a segurança nacional.
No entanto, as intenções de Hoover iam bem mais além.
Máquina de destruição
Sob a alegação de que queria “proteger a segurança nacional, prevenir a violência e manter a ordem social e política existente”, o FBI desempenhou projetos secretos ilegais ao vigiar e destruir todos os tipos de organizações nacionais ou de oposição e se infiltrar neles, como fez com o Partido Socialista dos Trabalhadores, o movimentos antirracismo, grupos de supremacia branca, ativistas do movimento pelos direitos civis, movimentos feministas, movimentos antiguerra, organizações ambientalistas e dos direitos dos animais, movimentos indígenas, movimentos de independência e qualquer outro grupo que flertasse com o partido de esquerda.
Pela mídia, o Cointelpro criou uma guerra psicológica ao fabricar fake news para difamar líderes de grupos e seus associados, expondo documentos e relatórios falsos para construir uma má reputação deles e humilhá-los publicamente.
Hoover e outros superintendentes do programa articularam com juízes e delegados para fazer prisões injustas, assim como para financiar, armar e controlar organizações paramilitares para atacar e assassinar seus alvos. Em 1971, por exemplo, o FBI contratou um grupo de extrema direita formado por ex-membros da organização paramilitar anticomunista Minutemen e os transformou na Organização do Exército Secreto, que tinha como alvo grupos, líderes e ativistas do Movimento Antiguerra.
Em 1969, o Cointelpro começou uma verdadeira “caça às bruxas” aos movimentos negros por considerá-los uma “ameaça radical infestada de comunistas”. Quando o FBI, em conluio com o Departamento de Polícia de algum estado, não estava prendendo, assediando e intimidando testemunhas, retendo e forjando provas e cometendo perjúrio, estava se organizando para realizar verdadeiras chacinas.
Em 4 de dezembro de 1969, o ativista e revolucionário afro-americano Fred Hampton, presidente do Partido dos Panteras Negras, foi assassinado a tiros junto a Mark Clark durante uma invasão a sua casa pelos policiais de Chicago e agentes do FBI. Como resultado da influência da Cointelpro e suas artimanhas, um júri declarou que as mortes de Clark e Hampton foram “homicídios justificáveis”.
A cadeia de comportamento
O Cointelpro agia de maneira sistemática para derrubar seus alvos. Seu primeiro método era se infiltrar, usando agentes para espiar e perturbar um grupo, minando a confiança e assustando apoiadores em potencial. Em segundo lugar, vinha o verdadeiro “bombardeio psicológico”, plantando histórias falsas e liberando informações pessoais negativas na imprensa para criar uma imagem pública ruim para o alvo.
Além disso, eles criaram grupos de pseudomovimentos dirigidos por agentes e manipularam empregadores, proprietários e funcionários para causar problema aos ativistas. Restringiram o acesso a recursos públicos pressionando organizações sem fins lucrativos para cortar o financiamento ou apoio material a essas organizações. O FBI as derrubou criando conflitos internos, como exacerbar as tensões raciais jogando grupos negros contra supremacistas brancos e vice-versa. Inclusive, Fred Hampton começou a ser malvisto dentro do movimento Panteras Negras depois que teve inverdades espalhadas por infiltrados.
Assediar e tornar os dissidentes criminosos era considerado o terceiro passo. Os policiais trabalhavam para apresentar evidências forjadas ou falsificadas e ensaiavam testemunhos em que cometiam perjúrio. Também controlavam júris para intimidar ativistas, silenciar apoiadores e instaurar o medo de organizar qualquer tipo de protesto, pois agentes infiltrados promoveriam violência contra a polícia.
O quarto passo, apoiando-se nesse controle do sistema legal que detinham, era o ataque do FBI e da polícia, que arrombavam, vandalizavam e assassinavam os dissidentes para tentar enfraquecer cada vez mais os movimentos. Depois que o Cointelpro foi exposto, ficou determinado que esse tipo de violência era tão cruel e friamente calculada que só podia ser chamado de terrorismo.
A exposição
Em 8 de março de 1971, enquanto acontecia a emblemática luta de Muhammad Ali contra Joe Frazier, alguns ativistas do grupo secreto Comissão de Cidadãos invadiram o escritório de dois agentes do FBI em Media, na Pensilvânia (EUA), e roubaram mais de 1 mil documentos ultrassecretos sobre o Cointelpro. Eles revelaram anos de escuta telefônica, infiltração e manipulação da mídia para suprimir a dissidência, assim como assassinatos e a criação de um gabinete de fake news.
No dia seguinte, à exceção do The Washington Post, todos os jornais se recusaram a publicar uma matéria revelando anos de orquestração criminosa do FBI. No entanto, não demorou muito para que os veículos de imprensa fossem cedendo e toda a sujeira do Cointelpro se chocasse com a derrota de Ali, que inclusive foi perseguido pelo programa secreto devido ao seu envolvimento com movimentos antiguerra.
Ainda que em abril daquele ano Edgar Hoover tenha decretado o fim do Programa de Contrainteligência, a espionagem doméstica continuou, com o FBI plantando mais de 500 escutas entre 1972 e 1974 e abrindo mais de 2 mil correspondências de cidadãos norte-americanos. No entanto, nada se comparou com o que o Cointelpro fez ao destruir limites constitucionais e tentar silenciar a liberdade civil.
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